sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Não vos deixeis iludir



PCTP/MRPP
NÃO VOS DEIXEIS ILUDIR


Admiti por um instante que deixava de haver leis sobre os cereais, que deixava de haver alfândegas e impostos alfandegários, que todas as circunstâncias acidentais a que o operário ainda pode reportar-se como sendo as causas da sua miserável situação tinham completamente desaparecido, e tereis rasgado os véus que escondiam dos olhos do operário o seu verdadeiro inimigo.

O operário verá que o capital tornado livre não faz com que seja menos escravo do que o capital melindrado pelas alfândegas.

Não vos deixais, meus Senhores, enganar pela palavra liberdade em abstracto. Liberdade de quem? Não se trata da liberdade de um mero indivíduo confrontado com um outro indivíduo. Trata-se da liberdade que tem o capital de esmagar o trabalhador.

Como quereis continuar a dar a vossa aprovação à livre concorrência com base nessa ideia de liberdade quando uma tal liberdade mais não é do que o produto de um estado de coisas fundado sobre a livre concorrência?

Demonstrámos o que é a fraternidade que o livre comércio gera entre as diferentes classes de uma mesma nação. A fraternidade que o livre comércio estabeleceria entre as diferentes nações do mundo também não seria mais fraternal. Designar como fraternidade universal a exploração no seu estádio cosmopolita, é uma ideia que só podia ter tido origem no seio da burguesia. Todos os fenómenos destrutivos que a livre concorrência gera no interior de um país reproduzem-se em proporções gigantescas no mercado universal. Não há necessidade de nos determos mais sobre os sofismas que os defensores do comércio livre debitam a este propósito (…)»



«Dizem-nos, por exemplo, que o comércio livre geraria uma divisão internacional do trabalho que determinaria para cada país uma produção de harmonia com as respectivas vantagens naturais.

Porventura pensais, meus Senhores, que a produção de café e de açúcar é o destino natural das Índias Ocidentais. Dois séculos antes, a natureza, que não se intromete minimamente no comércio, não havia colocado nessas paragens nem café nem cana-de-açúcar.

E possivelmente não será preciso esperar meio século para que deixeis de encontrar aí café e açúcar, porque as Índias Orientais, por via da produção mais barata, já combateram e venceram esse pretenso destino natural das Índias Ocidentais. E entretanto essas mesmas Índias Orientais, com os seus dons da natureza, são já para os ingleses um fardo tão pesado como os tecelões de Dhaka, que, também eles, estavam desde a origem dos tempos destinados a executar tecelagem manual.

Uma coisa ainda que nunca pode perder-se de vista é que, tal como tudo se tornou monopólio, há também nos nossos dias alguns ramos da indústria que dominam todos os restantes e que asseguraram aos povos que mais os exploram o império sobre o mercado universal. É deste modo que no comércio internacional o algodão só por si tem um valor comercial maior do que o conjunto de todas as outras matérias-primas empregues na fabricação de vestuário. E é verdadeiramente risível ver os defensores do livre comércio fazerem sobressair algumas especialidades em cada ramo da indústria para as compararem com os produtos de uso corrente que são produzidos a preços mais baixos nos países em que a indústria é mais desenvolvida.

Se os defensores do livre comércio não são capazes de compreender como pode um país enriquecer à custa de outro, tal não deverá admirar-nos uma vez que esses mesmos senhores também não querem compreender como, no interior de um dado país, uma classe pode enriquecer à custa de outra classe.

Não julgueis, meus Senhores, que ao fazermos a crítica da liberdade de comércio tenhamos a intenção de defender o sistema proteccionista.

Se alguém se diz inimigo do regime constitucional, não está com isso a dizer que é simpatizante do Antigo Regime.

Aliás, o sistema proteccionista mais não é do que um meio para estabelecer a grande indústria no território de um povo, ou seja, para fazer com que esse povo dependa do comércio universal; e a partir do momento em que se depende do mercado universal já se depende, em maior ou menor grau, do comércio livre. Para além disso, o sistema proteccionista contribui para o desenvolvimento da livre concorrência no interior de um país. É por isso que nos países em que a burguesia começa a fazer-se valer como classe, por exemplo, na Alemanha, se verifica que essa mesma burguesia desenvolve grandes esforços para beneficiar de direitos proteccionistas. Para a burguesia os direitos proteccionistas são armas contra o feudalismo e contra o governo absoluto, são um meio de ela concentrar as suas forças, de realizar o livre comércio no interior do país.

Em geral, porém, nos nossos dias o sistema proteccionista é conservador, ao passo que o sistema do livre comércio é destruidor. Dissolve as antigas nacionalidades e conduz ao extremo antagonismo entre a burguesia e o proletariado. Em resumo, o sistema da liberdade comercial apressa a revolução social. É exclusivamente neste sentido revolucionário, meus Senhores, que voto a favor do comércio livre.»





* Discurso pronunciado no dia 7 de Janeiro de 1848, em sessão pública da Associação Democrática de Bruxelas. O texto foi inicialmente publicado no mesmo ano por iniciativa da Associação e mais tarde publicado por F. Engels como apêndice à edição de 1884, em língua alemã, da obra «Miséria da Filosofia».

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(1) - John Bowring (1792-1872), economista político inglês, quarto governador de Hong Kong, entre 1854 e 1859; foi um dos primeiros a defender o comércio livre, designadamente em artigos publicados na Westminster Review, nos anos 40 investiu na indústria do aço, no País de Gales, onde procurou aplicar algumas das medidas de melhoramento das condições laborais.









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Manoel Messias Pereira

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