domingo, 20 de fevereiro de 2011

Exploração sexual infantil - reportagem do Diario da Região

 


Foto do Diario da Região - pai oferece as filhas pra exploração sexual.




› Adolescência em risco

São José do Rio Preto, 20 de Fevereiro, 2011 - 1:50

Exploração sexual atinge 171 jovens da região






Allan de Abreu











Guilherme Baffi





Pai oferecia por R$ 5 as filhas Ingrid e Mariana (nomes fictícios), hoje com 14 e 13 anos, para favores sexuais

Janaína (nome fictício) tem só 16 anos, mas já exibe as curvas do corpo com roupas mínimas pelas ruas da zona norte de Rio Preto. Há dois anos ela se prostitui no Jardim Paraíso, incentivada pelo próprio pai, usuário de crack. “Eu não posso amarrar a minha filha. Além do mais, ela ajuda um pouco nas despesas de casa”, diz B.A.S., 49 anos. Pai, filha e um irmão com problemas mentais sobrevivem em um casebre sem guarda-roupa nem geladeira com o salário mínimo da aposentadoria do pai, portador do vírus HIV. A mãe está presa por roubo há mais de 10 anos.



A família esfacelada contribuiu para que, aos 14, Janaína mergulhasse no submundo da prostituição. Cada programa na zona do meretrício rende R$ 20, dinheiro gasto em pedras e comida para ela, o pai e o irmão. São quatro programas diários em média, de domingo a domingo. Mas o preço do corpo da menina chega a valer bem menos na casa onde moram, onde o pai chegou a colocar uma pequena placa oferecendo os favores sexuais da filha: “Programa R$ 1,99”.



O caso de Janaína escancara o submundo da exploração sexual de crianças e adolescentes no noroeste paulista. De acordo com o Conselho Tutelar de 17 municípios da região, além do Centro Regional de Atenção aos Maus-Tratos na Infância (Crami) de Rio Preto, 171 menores de idade, quase todas meninas, fazem sexo por dinheiro.



Desse total, os conselheiros estimam que metade, 85 menores, seja aliciada por adultos, incluindo os próprios pais, caso de Janaína. As demais ingressam no mercado do sexo por iniciativa própria, geralmente para sustentar o vício em drogas. Só em Rio Preto são 44 garotas cadastradas pelo Crami, das quais 20 exploradas por quatro redes de aliciadores, a maioria em bailes da periferia. Em 2009, o Crami chegou a encaminhar relatório à Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) com informações sobre as redes. Mas, até agora, não houve prisões. “É difícil reunir provas contra essas pessoas, porque são esquemas muito escondidos”, justifica a delegada Dálice Ceron.



Nos últimos três anos, tanto o Crami quanto os Conselhos Tutelares registraram 255 casos comprovados de exploração sexual de menores em 14 cidades da região, 74 somente em Rio Preto. No entanto, devido à subnotificação, o Crami estima que o número real de ocorrências seja dez vezes maior. “O que mais motiva a exploração é a família desestruturada. Muitas vezes o pai é alcoólatra e violento, a mãe omissa. A rua acaba abraçando esse jovem, que vê no sexo uma forma de sobrevivência”, diz Carolina Gatti, psicóloga do Crami.



Outro agravante do problema é a pobreza. “Se falta comida em casa, o comércio do sexo é a primeira opção que vem à mente da criança e até dos pais”, afirma a socióloga Marlene Vaz, consultora em violência sexual infantojuvenil da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi). Uma vez no submundo da prostituição, a dependência química costuma acompanhar essas garotas. “Com o tempo, passam a vender o corpo para sustentar o vício”, diz a especialista.



Guilherme Baffi



Janaína (nome fictício), 16 anos, ingressou na prostituição incentivada pelo próprio pai, que chegou a colocar placa na frente de casa oferecendo a filha por R$ 1,99

Dia pela noite



Janaína conheceu a maconha aos 13 anos, na escola. No ano seguinte, passou para o crack. Em 2010, abandonou os estudos, e hoje troca o dia pela noite na zona do meretrício. É mãe de um bebê de um ano e meio, criado pela tia. “Chego em casa às 5h, durmo até a hora do almoço e depois vou para a rua”, diz a jovem de pingente no umbigo e short minúsculo.



Desde o ano passado a família é acompanhada pelo Crami e pelas secretarias de Saúde e Assistência Social. Embora o aliciamento de menores para a prostituição seja crime previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), com pena de quatro a dez anos, o Crami optou por não denunciar o pai de Janaína à polícia. “Nesse caso, consideramos que a detenção do pai seria ainda pior na recuperação da família, que está destroçada”, diz a psicóloga do órgão. Por orientação da Saúde, a garota implantou um dispositivo sob a pele para evitar nova gravidez. Mas a jovem não está livre da aids. “De vez em quando transo sem camisinha. O cliente pede, a gente tá na vontade da pedra, acaba rolando.”



Quando é notificado pelo Conselho Tutelar, a polícia ou a Vara da Infância, o Crami passa a visitar a menina e a família, como no caso de Janaína, e oferece acompanhamento psicossocial. Não há prazo para o fim do tratamento, e o resultado é incerto: o órgão estima que, de cada cinco atendidas, duas retomem a prostituição. “Elas crescem sendo desqualificadas em casa e na vizinhança. Na rua, sentem na pele o preconceito. Com o tempo, passam a acreditar que não prestam”, diz Juliana Lemos Costa, assistente social do Crami.



Hamilton Pavam



Conselheiros tutelares abordam menores vítimas de exploração infantil em praça de Cardoso

Prainhas incentivam exploração de menores



O turismo potencializa a exploração sexual de crianças e adolescentes na região. De 171 crianças e adolescentes que trocam sexo por dinheiro no noroeste paulista, 71 moram em municípios banhados por rios. “Nos fins de semana, elas se oferecem para quem vem de fora nos bailes da prainha”, diz Roberval Nunes de Moraes, conselheiro tutelar de Cardoso.



A exploração de menores para o sexo é epidêmica no município, segundo o Conselho. São 20 jovens entre 12 e 16 anos, quase todos aliciados por pelo menos cinco adultos, investigados pelo órgão e o Ministério Público local. Um foi preso no fim do ano passado por agenciar a própria filha e suas amigas em uma lanchonete da cidade.



As menores se concentram em um bar no Centro da cidade e em uma pequena praça. Por ficar no caminho para a prainha, esse último local é estratégico para o esquema, de acordo com Moraes. “É lá que os clientes as abordam e levam para os ranchos”, afirma. Na madrugada do dia 14, na presença da reportagem, os conselheiros flagraram cerca de dez menores na praça.



Uma delas é Diana (todos os nomes são fictícios), que apesar dos 15 anos exibe corpo curvilíneo, acentuado pela roupa justa. Ela diz que gosta de “namorar” adultos, principalmente nos bailes, mas o Conselho suspeita que seja mais uma vítima de aliciadores no mercado do sexo local. Diana estava em companhia da prima, Alessandra, 12 anos, e da irmã, Raquel, de apenas 9. Os conselheiros têm indícios de que ambas também estejam sendo exploradas, embora elas neguem.



Ranchos



Outro foco de atração de menores para o sexo na região são os ranchos de Fronteira (MG). “Muitas adolescentes vão para lá nos fins de semana, porque dizem que a procura é grande”, diz a psicóloga do Centro Regional de Atenção aos Maus-Tratos na Infância (Crami) de Rio Preto, Carolina Gatti. De acordo com levantamento do Conselho Tutelar do município, são sete meninas no mercado do sexo local, todas de famílias muito pobres. “No começo, saem com adultos em troca de um lanche ou de droga. Depois, acabam na mão de exploradores”, diz a conselheira Amanda Cristina de Souza.



Segundo Amanda, a maioria “fisga” seus clientes, grande parte de Rio Preto, na praça central da cidade, e de lá seguem para ranchos à beira do rio Grande. Em julho de 2010, a Polícia Civil flagrou um homem com uma menina de 11 anos. Ele foi preso. A promotora da Infância e Juventude da Comarca, Daniza Biazevic, solicitou ao Conselho Tutelar um estudo detalhado do problema em Fronteira. “O menor precisa ser protegido pelo Estado”, afirma.



Em Ubarana, às margens do rio Tietê, são 15 meninas vulneráveis à exploração sexual, de acordo com o Conselho Tutelar local. “Está disseminado. Elas fazem sexo por R$ 5, R$ 10, e trocam por droga”, diz o conselheiro Francisco José dos Santos. “Para o turista, é vantajoso explorar sexualmente essas garotas, porque não pertencem ao território, não têm compromisso com ninguém naquele ambiente”, diz a socióloga Marlene Vaz.



Hamilton Pavam



Josiane (primeira à esq.), Ingrid e Mariana (no detalhe) foram aliciadas em Pindorama

Pai cobrava R$ 5 por carícias nas filhas



As irmãs Ingrid, 14 anos, e Mariana, 13, (nomes fictícios) conheceram o sexo ainda crianças, e da pior forma possível. Certo dia, quando a mais velha tinha 9 anos, o pai começou a acariciar suas partes íntimas, e obrigar as duas a assistir a filmes pornográficos e presenciar transas dele com a mãe. No ano seguinte, transformou o corpo franzino das meninas, ruivas de olhos verdes, em negócio, e passou a cobrar R$ 5 para que os amigos acariciassem as duas na casa da família, em Pindorama.



“Ele falava ‘passar a mão é cinco reais’. Aí um respondia ‘vem essa loirinha aí’. Eu ia, senão apanhava feio”, diz Ingrid. O pai acabou preso por aliciar as filhas para a prostituição, há três anos, e está detido até hoje. Mas a detenção não livrou as meninas do submundo da prostituição. Como a mãe de ambas é deficiente mental, Ingrid e Mariana passaram a viver com a avó, e começaram a fazer programas. “Parava carro aqui na frente, chamava, a gente ia”, lembra a mais velha.



As irmãs acabaram nas mãos de um aliciador da cidade, M.B.A., que chegou a montar infraestrutura para garantir os programas: em uma creche em construção na cidade, instalou um sofá velho e colocou dois pit bulls na frente para impedir qualquer aproximação estranha.



Em julho, o Conselho Tutelar flagrou as irmãs e mais duas amigas no local, todas menores de idade. “O chão estava forrado de camisinha”, diz o conselheiro David Elton Gramacho. Mesmo assim, M.B.A. não foi preso em flagrante, e a Polícia Civil de Pindorama se negou a informar se ele responde a inquérito por aliciamento de menores para a prostituição.



Uma das meninas flagradas na creche era Josiane, 15 anos, que faz programas desde os 13. Na época, ela e Ingrid já estavam entregues ao crack. “Fumava umas cinco pedras por noite”, afirma Ingrid. Cada programa delas custava R$ 5, preço de uma pedra de crack, fumada pelas garotas ou pelo aliciador.



Flagrante



Com o fim dos programas na creche, as irmãs voltaram a ser procuradas pelos clientes em casa. O último foi o sitiante G.B., de 75 anos. No início do mês, ele ofereceu R$ 50 para fazer sexo com uma amiga das irmãs, de 13 anos, e R$ 30 para acariciar as partes íntimas de Ingrid. Levou as duas de caminhonete para um canavial entre Pindorama e Palmares Paulista, mas acabou flagrado pela Polícia Militar após denúncia anônima. Atualmente ele está preso na Cadeia Pública de Catanduva. Segundo a PM, seria o terceiro encontro entre o sitiante e as adolescentes.



Após o flagrante, tanto as irmãs quanto Josiane passaram a ser acompanhadas de perto pelo Conselho Tutelar, e prometem abandonar tanto as drogas quanto os programas. Voltaram a estudar - haviam abandonado a escola em 2010 - e fazem planos para o futuro. Ingrid quer ser bombeira, e Mariana, professora. “Ainda passa carro aqui em frente toda semana, mas não saímos mais”, garante Ingrid, que ainda guarda mágoa profunda do pai. “Sou capaz de matar ele (sic).”



Rede



O aparente sucesso na recuperação do trio está longe de eliminar o problema da exploração sexual de menores em Pindorama. O Conselho Tutelar local estima que ainda existem pelo menos cinco garotas nessa situação. Uma delas seria explorada pela própria tia nos fins de semana em Santa Adélia, município vizinho. Segundo os conselheiros, há planos da prefeitura em construir um centro de recuperação para garotas dependentes químicas e também uma casa abrigo para menores abandonados pelos pais, além de investir em cursos profissionalizantes. “É preciso dar ocupação a essas meninas”, justifica o conselheiro Gramacho.



Hamilton Pavam



Ingrid, 14 anos: “Parava carro aqui na frente, chamava, a gente ia”

Sexo com garotas rende condenação



A exploração sexual de adolescentes rendeu a condenação de quatro homens no último ano em Votuporanga. Eles foram denunciados pelo Ministério Público por submeter adolescentes entre 13 e 15 anos a programas sexuais. Moisés Nascimento da Silva, Marcos Valério Bandeira e José Carlos Roma pegaram cinco anos e quatro meses de prisão, e Valdecir Nunes de Oliveira, quatro anos de prisão, todos em regime fechado. Com exceção de Oliveira, que é de Fernandópolis, os demais são de Votuporanga.



Conforme a denúncia do MP, os réus praticaram atos sexuais com seis menores em motéis de Votuporanga, no distrito de Simonsen, Fernandópolis e Rio Preto. O grupo sempre as levavam em grupo - para entrar nos estabelecimentos, todas se abaixavam no carro. Segundo o processo, enquanto mantinham relações com uma ou duas, as outras assistiam ou ficavam na banheira de hidromassagem. Em juízo, todos negaram os fatos. Ao serem ouvidas, adolescentes confirmaram que teriam recebido de R$ 30 a R$ 50 por programa.



“Quem paga para fazer sexo com meninas de 13 a 14 anos de idade, oriundas de famílias desestruturadas e miseráveis, submete-as sim à exploração sexual ante a reduzida capacidade que essas meninas, desprovidas de tudo, têm de resistir a esse tipo de apelo e, uma vez perdida a dignidade e se tornado dependente dessa renda, de deixar a prostituição”, escreve o juiz José Manuel Ferreira Filho na sentença. Todos os réus apelam da sentença em liberdade. Os advogados de todo os envolvidos defendem a inocência do grupo nesse caso.



Desigualdade motiva exploração de menores



A desigualdade social está por trás da ampla maioria dos casos de exploração sexual infanto-juvenil no País, na opinião da socióloga Marlene Vaz, consultora em violência sexual da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi). “Para o Estado, é cômodo colocar a culpa nos pais e na falta de estrutura da família, mas o que antecede o fator familiar é a pobreza, a falta de comida na mesa. Nesses lares, os roncos da fome soam mais altos do que as batidas do coração”, afirma.



O sexo acaba sendo o meio encontrado para satisfazer as necessidades mais básicas da família. Por isso Marlene adota o conceito de exploração sexual, em vez de prostituição. “O adulto faz o que quer do seu corpo. Já o menor de idade não está preparado para fazer escolhas, é forçado por terceiros ou pelas circunstâncias que o rodeiam a optar por esse caminho. Por isso não se prostituem, são prostituídos.”



A socióloga, que se dedica ao tema há 35 anos, conta que, alguns anos atrás, encontrou uma menina oferecendo sexo em um posto de combustível na Bahia. A alguns metros estava o pai, vendo a menina subir em várias boleias de caminhões em troca de latas de salsicha ou de sardinha em conserva. “Quando questionei o pai por que deixava a menina fazer aquilo, ele devolveu outra pergunta: ‘Mas, minha senhora, quem troca o corpo por uma lata de sardinha é prostituta?” Outro fator que estimula o sexo precoce é a mídia. “Na TV, as garotas são cada vez mais objetos de consumo, erotizadas pelos próprios pais”, critica Marlene.



Para Marlene, o combate à exploração sexual infanto-juvenil deve ocorrer em duas frentes. A primeira é o endurecimento das leis. “Tanto o Código Penal quanto o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) já estão desatualizados diante das demandas da juventude atual. Hoje o aliciador e o abusador dessas garotas ficam pouquíssimo tempo na cadeia, isso quando ficam.” Outra medida apontada pela especialista é o aperfeiçoamento das políticas sociais. “O Bolsa Família é importante, mas precisa capacitar o adolescente para o mundo do trabalho. A transferência de renda, por si, não resolve.”



Colaboraram Bruno Ferro e Eliene Berlato































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Manoel Messias Pereira

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