segunda-feira, 11 de abril de 2011

E se Karl Marx fosse afrodescendete?


Karl Marx
Por: Rosiane Rodrigues, em 03/04/2011 às 19:22 Dia desses, numa discussão sobre liberdade religiosa com uma amiga "comunista-roxa-de-carteirinha" aleguei que se Karl Marx fosse africano não teria proferido a célebre frase:"A religião é o ópio do povo". Diante do espanto da minha ouvinte e para que vocês possam entender o que estou tentando dizer é que, se Marx tivesse nascido na África ou pelo menos conhecesse a realidade dos africanos sequestrados para servirem como escravos no Brasil (o que também se aplica aos índios, escravizados pelos europeus em suas próprias terras) entenderia que a prática religiosa desses povos, em suas mais variadas expressões, transformou-se em símbolo de uma forma de resistência política e cultural.

A essa altura minha amiga já estava ajeitando os óculos e escondendo um risinho de deboche no canto da boca. Isso antes de me metralhar com: "Você não sabe que Marx era judeu". Sem me impacientar, repliquei. Engano seu. É exatamente por isso que acredito no que digo. Explico que não é apenas o grupo étnico ao qual Marx pertencia, mas o tempo histórico em que ele viveu, que me fez pensar dessa forma. Foi aqui que iniciei uma reflexão que, ouvida entre caretas e muxoxos, fez a minha companheira de passeatas do Movimento Estudantil concordar em alguns pontos.

Calma, gente! Longe de mim refutar Karl Marx que é, nada mais nada menos, que o fundador da doutrina comunista moderna, cujo pensamento influenciou decisivamente o Direito, a História, a Economia, a Filosofia, a Sociologia, a Administração, a Arquitetura e tantos outros ramos das ciências. A questão é que Marx era filho de uma família tradicional de rabinos. Seu pai, para burlar a restrição de judeus trabalharem no serviço público alemão e garantir o sustento da família, converteu-se ao cristianismo luterano. Isso em 1824. É preciso ressaltar que alguns séculos antes, as famílias judaicas sequer tinham direito de morarem nas cidades. Eram camponeses, alvos de campanhas difamatórias tanto da Igreja quanto dos governantes, que viam em seus hábitos e crenças, um constante risco para a segurança e a saúde pública de seus países. É certo que jamais saberemos o real impacto dessa conversão no seio da família que ficou mundialmente conhecida por seu caçula revolucionário.

A questão é que Marx, ao desenvolver seu pensamento sobre religião, tinha em mente os confrontos históricos entre o cristianismo e o judaísmo. E todas as mazelas que a Inquisição trouxe à Europa. Também naquele tempo, mesmo os cientistas e pensadores, não tinham conhecimento, em sua totalidade, dos atos e dos processos de dominação e escravização que aconteciam nas Américas. Se ninguém se preocupa muito com a cultura africana nos dias de hoje, é possível imaginar que para os europeus civis do século XIX, a vida na África ou no Brasil seria alguma coisa próxima da ideia que temos sobre o planeta Marte. A sonda espacial diz que tem água, tem gente que diz que tem vida, outros afirmam que até já foram lá em discos voadores... O certo é que naquele tempo, o Brasil e a África eram tão distantes da Europa quanto Marte e a Lua são para nós, hoje.

É possível, a partir do pressuposto que Marx só poderia formular questões que fossem inerentes ao seu meio social, através do conhecimento e dos embates políticos e filosóficos do seu tempo, que a frase "A religião é o ópio do povo" tenha um outro sentido, menos genérico e mais contundente. Ela talvez possa ser traduzida pelos danos sofridos por nações inteiras, naufragadas por projetos de poder e dominação de algumas religiões que, ao contrário das chamadas ancestrais (judaismo, religiões africanas, ciganas e indígenas), prescindem de conversão.

Se hoje, com a TV via-satélite e a internet bombando, a maioria dos brasileiros não tem ideia de que foi justamente a luta pela manutenção da religiosidade africana, através dos cultos aos orixás, que garantiu a perpetuação da identidade e memória de milhares de negros e afrodescendentes; Se em pleno século XXI, muita gente também não sabe que foi a resistência política dos negros frente à escravidão que além de dar ao Brasil o colorido e a base da nossa cultura, ainda garantiu o processo de enriquecimento nacional, imagina um europeu, há quase 200 anos, que não tinha acesso ao Google nem televisão?
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Manoel Messias Pereira

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