domingo, 30 de outubro de 2011

Gervane, mão africana na arte de MT

obra de gervane de Paula
Obra de Gervane de Paula
seu auto retrato
obra de Gervane de Paula




Gervane, mão africana na arte de MT



Na próxima semana, no Museu de Arte e Cultura Popular da UFMT, será aberta mostra com um dos mais importantes artistas plásticos cuiabanos



IVAN BELÉM*

Especial para o Diário de Cuiabá



A omissão e o descaso sobre a produção artística e cultural dos descendentes de africanos são fatores preponderantes para a manutenção do preconceito e da marginalização desse segmento no Brasil. Sua produção artística, seus modos de existência e seus valores espirituais têm sido negados ao longo de toda a história deste país. Dissolvem-se, assim, sob o argumento de uma identidade mato-grossense e brasileira. Negada e silenciada incessantemente, torna-se obscura.



A história nos mostra que, mesmo após a escravidão, as manifestações artísticas e culturais dos diferentes grupos negros sempre foram alvos de tratamento policial, numa tentativa de silenciá-las, à força da repressão. Seus templos sagrados foram violados, suas danças proibidas, seus objetos destruídos. Homens e mulheres difusores dos saberes africanos no Brasil foram presos e torturados. Afinal, para as elites esses saberes são considerados exóticos e atrasados, assim como pensavam os colonizadores europeus. De modo que, se o seu patrimônio sociocultural, acumulado ao longo de gerações, chegou ao século 21, foi graças à resistência, cuja fonte é a tradição ancestral, pautada na memória e na oralidade. Um conta ao outro, geração a geração. E nesse contar, entram no repertório saberes e saber fazer, cuja matriz é a África, mesmo quando não se diz. Mas a África está ali, presente. No modo de ser, sentir e fazer.



Nas entrelinhas de tais questões está um velho sonho nacional: a tentativa de embranquecimento dos brasileiros, sonho acalentado pelas elites desde o período escravagista.



Essa tentativa de embranquecimento do país está atrelada, direta ou indiretamente, ao que os movimentos negros denunciam como genocídio da população negra. O racismo e a discriminação são mais cruéis do que possamos imaginar, pois são também fatores agravantes para a escandalosa mortandade de jovens negros na faixa etária de 15 a 29 anos, sendo que os homicídios correspondem a aproximadamente 50% dos óbitos entre esse segmento, segundo dados do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).



Diversos fatores dificultam a mobilidade social ascendente do povo negro, contribuindo para que permaneça a executar atividades desprestigiadas socialmente. Um povo que vem experimentando tantas perdas desde que a presença africana se instalou neste país necessita de exemplos positivos de negros que não aqueles em que os mostram sempre em situações de desvantagens. Nossos antepassados nos deixaram um legado digno. É fundamental aos afro-descendentes que essa herança seja não apenas reconhecida, como também difundida, para que possam resgatar sua auto-estima e principalmente para que possam orgulhar-se de seu pertencimento étnico-racial.



É por esses e outros motivos que me sinto honrado pelo convite para escrever sobre Gervane de Paula, até porque temos muito em comum. Eu, um homem de teatro; ele, um homem das artes plásticas. Ambos negros e com praticamente a mesma idade. Conheci o Gervane nos corredores da antiga Fundação Cultural de Mato Grosso, que na época funcionava onde hoje está o Paço das Artes. Éramos bem jovens, começando a carreira artística. Somos cuiabanos e moramos até hoje nos mesmos bairros das nossas infâncias – por sinal, bairros limítrofes. Eu, na Lixeira; ele, no Araés. Aliás, o Araés é o berço do movimento negro em Mato Grosso. Foi lá que viveu Geraldo Henrique Costa, fundador do primeiro movimento negro organizado de Mato Grosso, o Grupo de União e Consciência Negra (GRUCON).



Gervane é, sobretudo, um artista privilegiado, pois, além de pintor que conhece como poucos a alquimia das cores e os seus resultados, é também desenhista e objetista de mãos cheias. Mãos leves e delicadas; ou duras e pesadas, de acordo com aquilo que deseja obter. Mãos que ora nos afagam, ora nos esbofeteiam e ora nos fazem cócegas. Criativo, determinado, defensor dos fracos, guerreiro e vencedor, Gervane de Paula parece ser influenciado por Ogum, o deus africano desbravador, que abre os caminhos para quem vem atrás. É a encarnação da coragem. Se em algum momento não tiver a sua própria briga, compra a de seus companheiros. Eu te saúdo, Ogum: Ogunhê!







*Ivan Belém é ator, produtor cultural, professor, militante do movimento negro, doutorando em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação da UFMT. Secretaria da Cultura de Cuiabá/Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte/UFMT. O texto acima é trecho das palavras de Ivan escritas especialmente para o catálogo da exposição que será aberta na próxima quinta-feira.











Diário de Cuiabá © 2009

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Manoel Messias Pereira

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