domingo, 29 de janeiro de 2012

Filmes franceses mostram que a cultura da França está em alta em Hollywood




Filmes indicados ao Oscar mostram que a cultura francesa está em alta em Hollywood

Guias turísticos e exposição também destacam o charme da Paris do século passado


Sérgio Rodrigo Reis - EM Cultura

Além de ambientar seu filme em Paris, Wood Allen trouxe para o elenco ninguém menos que a primeira-dama Carla Bruni-Sarkozy.


O maior sucesso de bilheteria do cineasta americano Woody Allen nos últimos tempos é uma homenagem à efervescência cultural da capital francesa dos anos 1920. Em Meia-noite em Paris, indicado aos Oscar de melhor filme, direção, roteiro original e direção de arte, um escritor americano em pleno 2010, depois de pegar carona numa madrugada fria, é misteriosamente levado ao encontro de personalidades que viveram por lá no início do século passado. De uma hora para outra, ele passa a conviver com o charmoso círculo de amizade da escritora Gertrude Stein, formado por autores, pensadores e artistas como Pablo Picasso, Ernest Hemingway e F. Scott Fitzgerald. A deliciosa narrativa lidera uma série de produções, livros e exposições, que exaltam uma visão elegante e nostálgica da Cidade Luz. Para além do interesse turístico convencional, a cultura francesa, com essa movimentação, voltou à moda.

O filme de Wood Allen ganhou reforços com a divulgação dos outros concorrentes à premiação americana. Deu França na cabeça. O longa A Invenção de Hugo Cabret, do veterano Martin Scorsese, a história de um órfão vivendo secretamente numa estação de trem em Paris, lidera o número de indicações ao Oscar: são 11. Logo em seguida vem o filme mudo e em preto e branco O artista, do diretor francês Michel Hazanavicius, com 10 indicações. Ele narra a saga do astro do cinema George Valentin (Jean Dujardin) e seu medo de perder espaço profissional com a chegada do cinema falado. Como ainda não estrearam no Brasil, a fama desses longas-metragens se resume à repercussão das indicações ao Oscar e dos prêmios já conquistados e às inúmeras críticas positivas que pipocam na internet.

Autor do guia E foram todos para Paris, o jornalista Sérgio Augusto, não entende o porquê de, de uma hora para outra, Paris ter se transformado em fenômeno. “A cidade nunca deixou de ter prestígio, sempre atraiu intelectuais, artistas e pensadores, sobretudo pelos ideais da Revolução Francesa e por ter se tornado espécie de meca da criatividade mundial.” Um certo ofuscamento cultural, que marcou a França nas últimas décadas, é atribuído, de acordo com ele, ao período pós- Segunda Guerra, quando os americanos, com seu poder de difusão da indústria cultural e de seus movimentos artísticos, espalharam seus ideais para vários continentes. A proposta de editar um guia nostálgico sobre a mesma cidade narrada por Woody Allen surgiu com a boa repercussão do filme Meia-noite em Paris. Mas não foi, nem de longe, uma cópia do argumento alheio.

Depois de uma de suas inúmeras viagens à França, Sérgio Augusto publicou num jornal paulista, nos anos 1990, uma extensa reportagem sugerindo uma visita diferente a Paris. Propunha ao visitante seguir os passos daquela turma de personalidades mundiais que fizeram a cidade fervilhar a partir de 1920, tornando-a cenário de um estilo de vida livre e descompromissado, berço de movimentos artísticos de vanguarda e inspiração para marcantes obras da literatura e das artes plásticas do século 20. A repercussão foi imediata: vários dos seus amigos guardaram o jornal e, vez por outra, quando iam até lá, levavam a publicação. Com a feliz coincidência do lançamento de Meia -noite em Paris, não faltaram pedidos de transformar a reportagem em livro. A aposta deu certo. Segundo ele, atualmente não param de aparecer lançamentos parecidos. “São tantos livros sobre Paris nas livrarias atualmente que viraram um tipo de gênero”, brinca.


Nostalgia
A escritora Lúcia Helena Monteiro Machado lançou, em 1997, o guia Paris para brasileiros, bem antes da mania atual. “Essa história de artistas e escritores americanos se mudarem para lá é antigo. Paris jamais saiu de moda.” Para ela, se há um fato novo é uma certa “redescoberta” daquela realidade por Hollywood. “Acho a cidade mais bonita que existe. É a capital cultural do mundo. Paris é sempre Paris.” A escritora não deixa de ter razão, mas não há como negar que existe, até mesmo dentro da França, um forte clima de nostalgia por tudo que a cultura daquele país significou no passado recente e uma forte tentativa de retomar a posição importante no cenário internacional. A excelente repercussão da exposição Matisse/Cézanne/Picasso… A aventura dos Stein, que esteve nos últimos quatro meses no Grand Palais, em Paris, e foi encerrada no último domingo, é prova da boa fase. Ela virou fenômeno de público, sendo vista por mais de meio milhão de pessoas.

Modernos
A exposição no Grand Palais recuperou o papel de mecenas e incentivadora de jovens autores desempenhado pela poeta e escritora americana Gertrude Stein, que se mudou para Paris nos anos 20 do século passado. Coube a ela, ao chegar àquela cidade, ser uma espécie de líder da “geração perdida”, como ficou conhecido o grupo de autores americanos radicados na cidade à época, entre eles Ernest Hemingway, Zelda e F. Scott Fitzgerald, e ainda o papel de colecionar, com seus irmãos, as primeiras obras do núcleo fundador da pintura moderna, do qual fizeram parte artistas como Picasso, Matisse, Cézanne, Renoir, Delaunay, Juan Gris. O rico acervo da escritora ilustra a exposição, que também traz curiosidades sobre Stein e sua importância para as vanguardas do século 20. Antes de Paris, a mostra foi vista com boa repercussão no Museu de Arte Moderna de San Francisco, nos Estados Unidos, país que a recebe novamente no próximo mês, no Metropolitan Museum, em Nova York.

A boa fase da produção cultural francesa não é só internacional. Dentro do próprio país o cinema vive fase interessante, com fenômenos como Les intouchables (Os intocáveis), dos diretores Eric Toledano e Olivier Nakache. Baseado em fatos reais, trata da convivência de um tetraplégico milionário com um homem recém-saído da prisão, que se candidata ao cargo de cuidador dele. Um árabe na vida real, na película é representado pelo ator negro Omar Sy. O refinado cadeirante Philippe, apreciador de arte, gastronomia e música clássica, é interpretado pelo ator François Cluzet. Desse inusitado encontro nasce uma amizade incomum baseada na tolerância que cativou até o momento, só na França, mais de 17 milhões de espectadores. Les intouchables, que ainda não tem data definida de estreia no Brasil, é o carro-chefe de uma série de produções francesas com boas críticas e público crescente, que tem deixado para trás blockbusters estrangeiros. Outros exemplos são Polisse (prêmio da crítica em Cannes) e La guerre est declarée, que foi o candidato francês este ano para o Oscar de melhor filme estrangeiro.

Durante os nove anos em que fez mestrado e doutorado em cinema na França, o pesquisador de audiovisual Pedro Maciel Guimarães, um dos curadores da Mostra de Cinema de Tiradentes deste ano, viveu de perto aquela realidade e acha que essa repercussão da cultura francesa é uma feliz coincidência. “Paris e França são constantemente redescobertas.” Na realidade, ele vê a situação como um movimento de mão dupla. “Os europeus sonham em fazer carreira em Hollywood, já os americanos vão atrás daqueles cenários”, compara Pedro Guimarães.

França na tela
Em cartaz

L’Apollonide – Os amores da casa de tolerância (L’Apollonide – Souvenirs de la maison close, França, 2011), de Bertrand Bonello, com Hafsia Harzi e Noémie Lvovsky. Passado no início do século 20, nos últimos dias do bordel L’Apollonide.


Vem aí

O artista (The artist, França/Bélgica, 2011), de Michel Hazanavicius, com Jean Dujardin, Berenice Bejo e John Goodman. Na Hollywood de 1927, George Valentin, astro de filmes mudos, teme que a chegada do cinema falado faça com que ele seja esquecido. Estreia nacional: 10 de fevereiro.

A invenção de Hugo Cabret (Hugo, EUA, 2011), de Martin Scorsese, com Chloe Moretz, Jude Law e Sacha Baron Cohen. Homenagem à Paris dos anos 1930. Conta a saga de um órfão que vive numa estação de trem e está envolvido no misterioso desaparecimento do pai. Estreia: 17 de fevereiro.

La delicatesse (França, 2011), de David Foenkinos e Stéphane Foenkinos, com Audrey Tatou. Mulher em luto pela morte do marido há três anos é cortejada por um sueco colega de trabalho. Estreia: 16 de março.

Na internet

My French Film Festival
Em sua segunda edição, o festival virtual oferece, até 1º de fevereiro, exibições gratuitas de longas e curtas-metragens franceses. Entre as produções que serão apresentadas destacam-se: Um veneno violento, de Katell Quillevéré e
A rainha das maçãs, de Valérie Donzelli. Os filmes podem ser vistos pelo do site: www.myfrenchfilmfestival.com.

Brassaï em BH
Uma visão incomum de Paris. Essa é a proposta da exposição Brassaï, Paris la nuit , até 1º de abril, no Oi Futuro Av. Afonso Pena, 4001). Na mostra, a capital francesa é vista a partir de jogos de sombras, claros e escuros, por meio das imagens feitas nos anos 1930, pelo fotógrafo Brassaï. As belas imagens, que formam espécie de crônica da vida noturna parisiense, com imagens externas, como a da Torre Eiffel, e de ambientes fechados, como cafés e cabarés, são rara oportunidade de ver as cenas registradas pelo fotógrafo húngaro com alma francesa Gyula Halász (1899-1984), que assinava seus trabalhos com o pseudônimo Brassaï. Sem dispor de flashes, utilizava postes, letreiros e faróis de carros como fonte de luz para as fotos. O único senão da exposição é a iluminação: boa parte da visibilidade das imagens fica prejudicada por reflexos de luzes nas fotografias ou pela pouca luminosidade em outras. Para um mestre da luz, de seus caprichos e sutilezas, é um erro que cobra correção urgente.

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Manoel Messias Pereira

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