sábado, 24 de março de 2012

A senhorita de Scuderi de E.T.A Hoffmann






Marco da literatura policial, "A Senhorita de Scuderi", de E.T.A. Hoffmann, ganha edição brasileira



O cenário é a Paris de Luis XIV, o Rei-Sol, que por si só exprime o que era seu país. Mote de diversas obras escritas no século XIX, como "Os Romances de D´ Artagnan", de Alexandre Dumas, essa mesma Paris é pano de fundo para o romance de Ernst Theodor Amadeus Hoffmann (1776 - 1822), escritor alemão que inaugura com esta obra o romance policial em seu país.



"A Senhorita de Scuderi" tornou-se referência para grandes nomes, como Edgar Allan Poe, Victor Hugo, Charles Baudelaire e Dostoievski, que em seus países e a seu tempo também difundiram os romances baseados em crimes e mistérios. O alcance da obra de Hoffmann influenciou, inclusive, Freud, que se dedicou à análise de seus trabalhos, e Franz Kafka.



Apesar de tamanho currículo, o título permanecia inédito no Brasil até seu recente lançamento pela editora Civilização Brasileira, do Grupo Editorial Record. "A Senhorita de Scuderi" dá inicio à coleção "Fanfarrões, Libertinas & Outros Heróis", que tem por critérios de seleção obras que há muito deveriam ter sido traduzidas para o português do Brasil e que, assim como se vem empregando desde o clássico "Dom Quixote", de Miguel Cervantes", contemplem seus protagonistas desde o título.



Características



Desse modo, "A Senhorita de Scuderi" dá nome à personagem principal, uma famosa escritora francesa de 73 anos que vive nesta Paris dos anos de 1680. A história tem início quando, à meia-noite, uma misteriosa figura ameaça invadir a casa de Magdaleine de Scuderi para tratar com ela pessoalmente. O homem está desfigurado de desespero e chega a por em risco a vida da criada de Magdaleine por lhe impedir de falar com sua senhora. Ele desiste e se vai, mas deixa para a escritora um misterioso presente.



O objeto é o que insere a escritora já idosa em uma complexa trama, tornando-a a principal investigadora de uma série de assassinatos. Os alvos: distintos representantes da elite parisiense que deixam suas casas às escondidas para levar caríssimas joias a suas amantes. Sem que a vítima perceba que está sendo observada, o assassino a ataca e mata, com uma única punhalada.



Perdição



Traço marcante da literatura de Hoffmann, a expressão da realidade está vivamente presente em "A Senhorita de Scuderi". A Paris dos anos 1680 nada tinha de inocente, aparentando ser, de fato, o palco perfeito para um serial killer. Com maestria, o autor, já no segundo capítulo, contextualiza o leitor, apresentando os primeiros sintomas de uma cidade que marcha para o caminho da perdição. Tudo tem início quando um alquimista alemão, Glaser, tem suas descobertas deturpadas por um italiano de nome Elixi.



O vil italiano aprende com as substâncias químicas de Glaser a produzir um fino veneno, capaz de fazer tombar suas vítimas sem que se descubra a causa da morte. Apesar disso, Elixi deixa provas em seus crimes e vai para a prisão, onde faz um novo aprendiz: o capitão Saint Croix, com quem dividia a cela.



Tendo se tornado seu aluno mais diligente, Saint Croix, ao sair da prisão, evolui as técnicas do professor ao lado de sua amante, a marquesa de Briviller, e inicia uma matança desatada em Paris. A fama do veneno invisível se dissipa de tal modo que filhos começam a desconfiar dos próprios pais, maridos das esposas e assim famílias inteiras são destruídas, ora pelo medo, ora pela matança desordenada, mas dessa vez da polícia, que tortura e mata suspeitos em busca dos assassinos.



Os roubos das joias seguidos de morte vão se instalar em uma Paris que há pouco prendeu o casal de envenenadores e sequer se recuperou desta epidemia do medo. A recorrência dos casos chega a estimular um hilário protesto: franceses possuidores de amantes escrevem ao rei pedindo proteção para que possam visitar suas amantes em segurança.



Autor



A imagem viva desta Paris tomada por crimes é um dos méritos da escrita do autor. A realidade é uma constante em suas histórias, apesar de se enquadrarem como ficção. O professor e tradutor Marcelo Bakes, responsável pela tradução deste título, esclarece em seu posfácio que essa característica de Hoffmann é decorrente do fato de que atuou em vários cargos burocráticos. "Hoffmann não titubeava em transformar as causas jurídicas com que lidava em material satírico e fantástico para sua ficção e chegou a ser perseguido pelo Estado por causa disso", explica o tradutor.



Para se salvar de pendengas monetárias, o autor alemão ainda ministrava aulas de música, tornando-se crítico musical e compositor posteriormente. Sua admiração por Mozart levou-o a modificar seu nome de batismo, de Ernst Theodor Wilhelm, trocou o último prenome por "Amadeus". Como professor de música, conheceu as mulheres de sua vida, mas logo as abandonou. Seu hábito de satirizar as elites exigia que o autor se mudasse constantemente.



Quando da invasão das tropas francesas a Varsóvia, Hoffmann se negou a servir ao império de Napoleão e perdeu o emprego. Apenas com a vitória da Prússia sobre Napoleão pode voltar a atuar como juiz, desta vez em Berlim, realizando seu sonho de viver na cidade. Faleceu em 1822, provavelmente por complicações decorrentes da sífilis, contraída de uma de suas muitas amantes.



LIVRO



A Senhorita de Scuderi



E. T. A. Hoffmann

Civilização Brasileira

2012, 140 páginas

R$ 29,90

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Manoel Messias Pereira

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