domingo, 27 de janeiro de 2013

A vez dos artistas negros




A vez dos artistas negros

Diário da Manhã

Paulo Vitória



Pela primeira vez, graças à brilhante e perseverante presença do Movimento Negro, a exemplo de entidades e coletivos negros como a AKOBEN (do Rio de Janeiro) e CIA TEATRAL ZUMBI DOS PALMARES (de Goiás), ambas também presentes na Audiência Pública promovida pela Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados, no dia 21 de agosto de 2012, em Brasília, tornou-se finalmente realidade a publicação de um primeiro edital do Prêmio Funarte Artistas Negros, que contemplará trinta e três (33) projetos de valorização dos artistas negros.







Fruto desta importante audiência pública, que teve como objetivo debater a implementação de uma política de patrocínio, por meio de editais e linhas de financiamento para o incentivo à cultura e artes negras nas suas variadas formas, o Prêmio também conhecido como GRANDE OTELO, é, sem dúvida alguma, um dos mais visíveis exemplos de ações direcionadas em prol de uma perspectiva melhor para os (as) artistas negros (as) de todo o país.







Especialmente em relação ao estado de Goiás, a CIA TEATRAL ZUMBI DOS PALMARES considera o diálogo entre entidades representantes do Movimento Negro e do Poder Público como fatores essenciais para as várias formas de azeitar a complicada engrenagem que permeia a condução dos rumos da vida pública.







Quando realmente há diálogo transparente, comprometido, consistente é possível também fazer com que os (as) artistas negros (as) voltem a sonhar e lutar por mais espaço na área das artes enquanto artista e produtor da sua própria Arte. Percebemos, então, que a construção de um outro mundo continua sendo possível, ainda que freqüentemente contrariando os interesses dos racistas de plantão (geralmente autores de belíssimos discursos contra as cotas, por exemplo).







O diálogo entre Movimento Negro de todo o Brasil, Secretaria Especial de Promoção de Políticas para a Igualdade Racial (SEPPIR) e Ministério da Cultura (MINC), via FUNARTE e Fundação Cultural Palmares, concretamente passará a valorizar ainda mais os (as) artistas negros (as) na medida em que o número de editais e de categorias também for multiplicado e estendido para cada estado, cada município, cada capital. Portanto, nada mais justo do que contemplar prioritariamente artistas negros (as), grupos negros (as) e companhias negros (as) que jamais tiveram a oportunidade de terem seus projetos selecionados justamente porque seu perfil artístico e administrativo geralmente“não se encaixa” nos padrões estabelecidos pelos editais de ideologia branca e européia, resultado da histórica presença sutil do racismo brasileiro.







Esperamos também que a cada edital esteja sempre evidenciado a necessidade de fomentar os (as) artistas, grupos e companhias teatrais que trazem em sua raíz histórica a comprovação de um trabalho concreto enquanto verdadeiros militantes e ativistas da promoção da Consciência Negra através da Arte.







Afinal de contas assumir-se enquanto negro (a) nunca foi uma atitude tão fácil, diante de uma estrutura hierárquica que traz em sua coluna vertebral diversas ramificações de um racismo pensado, construído e arquitetado bem à moda brasileira desde que negros e negras aqui foram jogados à sorte como meras mercadorias, sem alma, sem carinho e sem amor. Mas também jamais será uma atitude difícil para artistas brancos que apenas têm o desejo de usufruir oportunisticamente dos benefícios dos editais e cotas raciais.







O fato é que os integrantes desta Companhia não podem esconder a verdadeira emoção de poderem continuar falando abertamente sobre as injustiças aos atores e atrizes negros(as) que não tiveram a mesma oportunidade econômica, política, social e financeira nos mesmos moldes de atores e atrizes não negros (as).







Os poucos atores e atrizes negros (as) bem-sucedidos no cenário goiano certamente ainda não perceberam a enorme dimensão que existe entre o simples fazer teatral e o fazer teatral com sabor de militância, que se traduz em comprovar também um extenso currículo nas várias esferas de discussões de políticas principalmente no que se refere à luta pela inserção dos (as) artistas negros (as) pertencentes a todas as classes sociais.







Queremos dizer, para continuar contribuindo, queremos dizer que necessário se faz a proliferação de vários editais também para os (as) artistas negros (as), grupos negros artísticos e companhias negras artísticas historicamente excluídas e não reconhecidas nem mesmo por muitas companhias brancas de teatro em nosso estado, as quais simplesmente tem verdadeira ojeriza quando o tema a ser discutidos (nas conferências por exemplo) é sobre a situação de exclusão dos atores e atrizes negros (as).







Independente de ser ou não premiada, a direção da CIA TEATRAL ZUMBI DOS PALMARES entende que é fundamental inspirar-se em atitudes louváveis como a do Teatro Experimental do Negro (TEN), criado por Abdias do Nascimento, com o objetivo de verdadeiramente criar oportunidades de espaço para o surgimento de vários artistas negros (as) goianos (as).







O fato incontestável é que, mais uma vez, este tipo de ação é algo inédito. Ações semelhantes a esta demonstram o quanto é possível avançarmos para a igualdade racial no campo dos direitos e deveres assegurados pela Constituição Federal, em seu artigo quinto, em que todos somos iguais. Iguais sim enquanto seres de uma mesma espécie, porém desiguais em termos de condições de sobrevivência educacional, cultural, artística, social, religiosa, econômica, financeira e até mesmo do ponto de vista da verdadeira História sobre o povo negro e do continente africano.







Para que seja possível atingirmos este nível ideal de igualdade, pelo menos entre artistas negros e brancos, é preciso muita coragem, muita audácia, por parte de vários militantes do Movimento Negro, a exemplo de Hilton Cobra, conhecido como Cobrinha, da Cia dos Comuns e do Bando do Olodum, responsável central pela realização das três edições do FÓRUM NACIONAL DE PERFORMANCE NEGRA em Salvador.







Mas também é preciso muita coragem e determinação por parte dos gestores que estão à frente de órgãos públicos de primeira grandeza no setor artístico e cultural como a ministra da Igualdade Racial, Luiza Bairros, a ministra da cultura, Marta Suplicy, o presidente da Funarte, Antonio Grassi e o presidente da Fundação Cultural Palmares, Elói Ferreira de Araujo. É lamentável. constatarmos que o racismo também esteja presente nas Artes Cênicas.







E por falar em artistas negros (as), por coincidência ou não, é bom lembrar que, recentemente neste mês de dezembro, a vencedora do programa THE VOIX BRASIL, transmitido pela Rede Globo, foi a cantora negra, de Brasília, ELLEN OLÉRIA e que o vencedor do programa Ídolos, transmitido pela Rede Record de TV, foi o gaúcho EVERTON (ambos negros).







A CIA TEATRAL ZUMBI DOS PALMARES torce para que esta conquista em termos de editais para artistas negros (as) não seja fruto apenas de uma febre momentânea e sim que faça parte de uma política definitiva de Estado e não de uma política provisória de Governo.







Axé a todos (as) os(as) artistas negros (as) declarados ou ainda não declarados, já que ser negro(a) às vezes também faz parte de uma moda naturalmente oportunista por parte de quem nem sequer tem consciência ou respeito pelas arte, pela cultura e pela religiosidade dos vários povos de matrizes africanas .







E que verdadeiramente esta realmente seja a vez dos (as) artistas (as) negros que tanto ralam também por um lugar ao sol.







(Paulo Vitória, ator, diretor de Teatro, professor de Teatro, professor de Arte, formado em Artes Cênicas pela Universidade Federal de Goiás (UFG), pós-Graduado em Filosofia da Arte pelo Instituto de Filosofia e Teologia do Estado de Goiás (Ifiteg), jornalista formado pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), no Rio Grande do Sul, diretor da Companhia Teatral Zumbi dos Palmares)






DM.com.br © 1996-2012 - Todos os direitos reservados

Nenhum comentário:

Postar um comentário

opinião e a liberdade de expressão

Manoel Messias Pereira

Manoel Messias Pereira
perfil

Pesquisar este blog

Seguidores

Arquivo do blog