segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Para onde vai o Egito?



Para onde vai o Egito?
• Para tentar entender os acontecimentos e qual poderia
ser o futuro desse país, o jornal Granma consultou dois especialistas no tema

Dalia González Delgado

ALGUMAS imagens do Cairo parecem-se com as duma cidade em guerra. Após a violência desatada na quarta-feira, dia 14, que deixou mais de 600 mortos e três mil feridos, a tensão não diminuiu. Num país polarizado, com várias forças em pugna e uma população de aproximadamente 82 milhões de habitantes, é difícil predizer com certeza o que acontecerá nos próximos dias ou semanas.

Os acontecimentos no Egito passarão por uma etapa de "lutas internas confusas", comentou a este jornal o diplomata e pesquisador Ernesto Gómez Abascal, ex-embaixador de Cuba em vários países do Oriente Médio.

O analista considera que "nenhuma das duas grandes forças que se enfrentam no Egito tem um programa para resolver os graves problemas do povo. Na minha opinião, por enquanto não há uma alternativa de esquerda; tomara que surja alguma no curso da luta".

Por um lado, "a cúpula militar, embora possa haver exceções, está muito comprometida com os Estados Unidos, que levam muitos anos trabalhando-a e especialmente financiando-a". Penso que essa cúpula apoiará uma saída com políticos tradicionais, que não sejam hostis ao Ocidente e, especialmente, que estejam dispostos a não criar problemas com Israel".

Por outro lado, embora os Irmãos Muçulmanos contem com respaldo popular, "não são maioria absoluta e podem criar muitos problemas, inclusive levar as coisas à beira duma guerra civil", opina Abascal.

Um critério similar sustenta o professor da Universidade de Havana, doutor Reinaldo Sánchez Porro, que precisou ao Granma os caminhos que poderia tomar o Egito, "após a guerra civil que parece inevitável".

Na opinião dele, poderia passar a ser uma revolução radical islâmica; poderiam os militares, os nacionalistas, os laicos e a esquerda vencer militar e politicamente, com o tempo, esses setores islamistas; ou se poderia dar um passo a uma revolução progressista que envolva mudanças estruturais.

"Mas no momento atual — ressaltou — o país está dividido em duas metades que se vão afastando duma possível reconciliação, como se vê nas multitudinárias manifestações a favor ou contra o derrocado governo de Mursi, apesar de que o exército utiliza sua força e consolida sua hegemonia centenária".

A instabilidade política pode ter também implicações regionais. "O Egito é uma sorte de vitrine do mundo árabe, o mais povoado e influente na cultura política regional, e esse peso pode arrastar seus vizinhos numa ou noutra direção", destaca o especialista.

A IRMANDADE É MAIS QUE SEU ROSTO POLÍTICO

Entretanto, os laicos acusam o governo de Mursi de empreender a islamização do país, e muitos setores islamistas lhe reprocham o contrário, ou seja, que não aproveitou a chance para implementar seu programa de reislamização da sociedade", argumentou Sánchez Porro.

Isso explica por que os mais radicais salafistas de Al Nur, que obtiveram 25% dos votos nas eleições legislativas, passaram a se opor a Mursi, "porque queriam mais e não menos, Islã político".

"A Irmandade Muçulmana venceu limpamente as eleições e isso lhe dá uma legitimidade inobjetável, que é sua força e sua fraqueza, pois agora qualquer eventual aceitação dum arranjo com o governo golpista seria visto por muitos como uma traição a essa legitimidade e aos princípios".

Para o professor universitário é importante levar em conta que o bloco social que é a Irmandade Muçulmana, fundada em 1928, com todas suas instituições atuais de serviços à comunidade, é muito mais que seu rosto político, o Partido Liberdade e Justiça. Em sua trajetória foi um "movimento-rio" com muitas correntes, "algumas delas praticantes de atentados e violência política que, com o tempo, foram admitindo a via eleitoral que agora lhes foi fechada, após sua vitória. Isso poderia provocar um retorno à luta violenta pelo poder".

O QUE NÃO SE VÊ

Os Estados Unidos anunciaram quinta-feira, dia 15, o cancelamento de uns exercícios militares em parceria com o Egito. O presidente Barack Obama disse que ordenou a sua equipe "avaliar" as ações do governo interino e os passos que poderiam dar, "caso fosse necessário", no âmbito das relações bilaterais.

Na semana passada, os senadores estadunidenses John McCain e Lindsey Graham visitaram o Cairo, para tratar de "reforçar" a "mediação" internacional que tinham iniciado o subsecretário de Estado norte-americano, William Burns, e o enviado da União Europeia, Bernardino León.

Segundo Abascal, "lamentavelmente ainda não há uma força popular, progressista, organizada, que represente uma alternativa de poder". Dessa maneira, os Estados Unidos e os demais países de Ocidente podem dar-se ao luxo de escolher, entre as forças políticas em pugna, a que seja mais "dócil aos seus interesses".

Washington está seguindo o princípio — já feito público por Condoleezza Rice em seu momento — de que naqueles países do Oriente Médio onde não possam exercer seu domínio, será preciso "fomentar a destruição, a divisão e as guerras internas, para enfraquecê-los", conclui.

Entretanto, Sánchez Porro opina que "os Estados Unidos e a União Europeia mantiveram uma posição muito ambígua, tentando aparentar que não se inclinam por uns ou por outros quando é sabido que, por seus interesses, têm que envolver-se profundamente na procura da evolução que mais lhes convenha, ainda que tenhamos que esperar um próximo (Edward) Snowden para saber exatamente como tentaram manejar esses fios. Na política, como dizia José Martí, o real é o que não se vê".


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Manoel Messias Pereira

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