sábado, 19 de outubro de 2013

A caminho do Céu

Calma noite, fria e seca. Stillville sem sons humanos é como o Éden. E parece que o céu não fica longe...

Padre Wygle olha os cento e quatro degraus da estreita escada que dá no seu quarto atrás da igreja. Essa noite, especialmente, parece atingir o céu.

Como tudo em sua vida era envolto em nuvens de incerteza, não entendia, também, por que o padre dono da paróquia não lhe permitiria dormir no interior da Igreja. Mas como de costumeira apatia, não questionara a razão do fato.

Padre Wygle não vivia por desejo ou ambição. Não havia sentido que se encaixasse na sua vida. existia simplesmente. Mas tinha paz absoluta no seu coração. Embora suas linhas nem sempre fossem retas, pois gostava de flores.

Chega ao último degrau. Mete a mão no bolso e  vê estar sem a chave. Nesse instante, lá em baixo, um jovem casal passa e resolve amar no meio da praça. Não há lamento, menos ainda raiva, em seus olhos. Inicia a descida.

A menor tentativa das questões se formularem vêm as estrelas em resgate do equilíbrio. Brilham mais intensamente nesta noite. Emanam uma energia que, ao invés de revigorar, pesam na alma como uma embriagues de luz. Nada a ser perguntado.

O chaveiro jaz sobre o púlpito.
Primeiro, segundo, terceiro degrau. Mesmas estrelas, mesmo Wygle a caminho do céu. Traz consigo um garrafão de vinho do padre que, ao invés de pesar, torna mais leve a subida.

Que paz impressionante! Chega a doer o coração tão intensa as suas batidas. No meio da pupila brilha um brilho que, devagar, vai cegando a consciência. E o casal se amando.

Centésimo quarto degrau. Primeira chave, segunda chave e a terceira revela não ser esse o molho de chaves que contém a sua chave.

O garrafão é elevado para mais um trago. Restam quatro dos cinco litros. Começa a nova descida também sem rancor. Sua como uma fumaça de incenso. Sinal da cruz.

Uma brisa vem findar o sentido do tempo e do espaço. Busca no fundo da mágica poética, enche os pulmões e assobia "Jesus, a alegria dos Homens" para criar asas nas pernas já cansadas.

No nonagésimo oitavo degrau, na terceira subida. Wygle se recorda de apenas ter colocado o chaveiro errado no lugar mas não ter pego o outro. Verifica o bolso e confirma a suspeita. Cai o suor da testa e evapora esfriando-a. Esfriando-a?....

Com o garrafão mais leve e as pernas mais pesadas vai descendo. Ecoa os passos na mente. Tumulto na ordem e na moral vigente.

Pássaros noturnos esvoaçando sobre o casal que se ama na praça. a imagem é refletida na âmago do seu ser.

-Bem vindo ao início da madrugada.
-Seja bem vindo, Padre Múmia, à nossa madrugada.
-Quem me responde?  Wygle se surpreende ao sentir-se tenso. Nunca lhe acontecera antes.

As estrelas estão rindo, fazendo pilherias da quarta subida que se inicia. A brisa acelera o tempo e torna -se quente. Maldita adrenalina.

Ao chegar ao topo quer, o mais rápido, entrar no seu quarto e fecha-se das estrelas, dos pássaros e do casal da praça. Não estando acostumado a movimentos de ímpeto, Wygle desastrosamente deixa cair a chave.

Senta-se no centésimo quarto degrau, olha a chave no chão e finda o vinho pensativamente, na rapidez que seu cérebro lhe permite. Conjetura sobre a vida e não se assombra apesar de ser sua primeira vez. Fita o casal amante, os pássaros e as estrelas. Sente-se pobre. desesperadamente pobre.

As imagens tortuosas ondulas e as frases se formulam:
-Me Deus, a caminho do Paraíso, em busca do descanso eterno, pedi a paz na vida. Perdoai-me, meu Pai, mas esse teu filho desiste do Teu Reino.

Padre Wygle volta a descer. desta vez não vai pelos cento e quatro degrau que ligam a Terra ao Céu. Abrevia se caminho e vai pelo ar.



Rogério Rodas de Carvalho
Cronista e administrador de empresas


Araçatuba-SP - Brasil


O céu nos espera.

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Manoel Messias Pereira

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